sábado, 1 de maio de 2010

Devir-decadência

Sonho com o dia em que me tornarei algo entre o Nada e o Infinito: nulo e inconcebível. Morno e manso como uma pomba grávida, limitar-me-ei a repousar sobre a Matéria. Inquilino omisso de mim mesmo, de paladar desacreditado e eclético, saborearei todos os venenos do acaso e da ampulheta - inimiga malsã do Paraíso e da pachorra.
Hoje o peso de ser - o que sou ou estou sendo - me enche de desespero e me obriga a ter esperanças. Sofro uma dor fisiológica e espiritual proveniente de uma metamorfose sisuda e inevitável.
Apêndice cósmico, vitimizado por um Devir cru e arrebatador que usa a máscara do Tempo para se alimentar de entranhas, espero afoito o seu desenrolar; para no término dessa inflamada mutação perder-me no vão ruminar da dúvida: serei eu min-mesmo? ou (em nome da Saúde) transcendi meu si-mesmo ?
Então, para o pranto da unidade filosófica, a resposta, que é ao mesmo tempo as duas coisas, virá: anti-cartesiana e absurda, evidenciando o sem-sentido indiscreto e irrefutável que habita entre o ser e o não-ser.
Castigo do nascimento e tédio incomensurável, essas aflições constantes e sutis molestam os objetivos e os apegos carnais de todo ser essencialmente delicado: dos barões aos fantoches, basta ter os poros aguçados para sentir a latência deste tumor existencial. Nestes espíritos, demasiado sensíveis, o conhecimento e o delírio mesclam-se fisiologicamente, fundindo sujeito e objeto numa só coisa...
Ruína dos ideais; niilismo orgânico; apoteose de hienas caóticas e maravilhadas; ceticismo celular; irrupção espaço-temporal; carnaval irrisório da razão humana: são todos produtos-dádivas provenientes do deus caos que se derramam como bênçãos goradas sobre fiéis escolhidos por ele sem nenhum critério inteligível.
(Ao cabo do meu pedagógico e involuntário auto-martírio-molecular, constatarei pouco entusiasmado que me tornei um tipo de palhaço: cético, indiferente e erudito. Contemplador insolúvel da Tragédia - finalidade última de todas as coisas nobres - é dela que ousarei extrair um bom humor debilitado e sóbrio, afim de unicamente suavizar o sofrimento axiomático de todos aqueles que, ébrios de si mesmos, sustentarem meu discurso frio e engraçado...
Atrever-me-ei, pois, a ser: isto.)

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