sábado, 1 de maio de 2010

A Dissolução da semântica

Minha pretensão: evidenciar que a linguagem humana, enquanto construção sígnica artificial, pretende ser rival das coisas-em-si (simulacros-entes empíricos), nos divorciando destas e da realidade (imediatamente) natural. A linguagem, na medida em que representa, substitui o representado, é a rival absoluta dele. Quero dizer: a linguagem é algo artificial que incessantemente nega e contrapõe-se (virtualmente) ao que é natural - o Mundo: a totalidade de tudo o que é. É ela que, segundo a Bíblia, pretendeu patrocinar uma fuga do Mundo - através dela o homem pretendeu elevar-se acima do Mundo: o seu pleno funcionamento, através da língua, garantiria a construção da Torre de Babel, portanto, remeteria o ser (humano) ao mundo supra-lunar: rejeição absoluta do Mundo. É-nos pois compreensível por que a heterogeneidade da linguagem, sua diversidade manifesta nas diferentes línguas - seu maior empecilho que estanca seu pleno funcionamento - é considerada, na Bíblia, uma obra da Providência. De fato, o mundo estaria perdido se os homens se entendessem plenamente.
Nominalista, eu? Absolutamente não e sim. Difiro destes na exata medida em que não vejo motivos plausíveis para continuarmos alfabetizando crianças. O que elas fizeram para merecer tamanho castigo? Além do mais, os nominalistas, apesar de cônscios do vazio inerente a todo empreendimento semântico, ainda vêem positividade no emprego da linguagem.
Argumentar-se-á, então, que é a linguagem que garante a existência e o funcionamento da civilização. Pois bem, digo que por isso mesmo é que ela deve ser abolida. A civilização ocidental e a manutenção diária do civismo executado por nós com o intuito de preservá-la, parece-me um laborioso esforço em negar o Mundo: tal qual na Torre de Babel, nela carregamos pedras. Todavia, diferentemente destes empreendimentos verticais descritos na Bíblia, a civilização ocidental tem obtido êxito em sua rejeição ao Mundo: “o ser humano já pisou na lua, mas falta-lhe pisar em seu próprio coração”, disse o poeta, e eu assino embaixo.
O funcionamento da dita “ordem”, garantido pela linguagem, molesta todo aquele que ainda está vivo; ou seja, todo aquele que, ainda, possui instintos.
É verdade que o ser humano é considerado racional. Entretanto, é esse adjetivo (“racional”) que tem garantido o seu divórcio da zoologia. Outra vez, a linguagem – no caso, um mero adjetivo - construindo uma barreira sólida entre o homem e o Mundo.
É fato científico que a razão que dizem existir em nós, ocupa no máximo 10% de nossa mente, de nosso ser. Portanto, somos no mínimo 90% não-razão, instinto/inconsciência: somos quase integralmente irracionais, instintivos. Porém, amiúde, negamo-nos a nós mesmos. Esses malditos 10% funcionam, em nossa estrutura ôntica, de modo despótico... são eles que constituem o superego: inimigo mortal de todo espírito livre. Eles são, por meio da linguagem, responsáveis por toda sorte de axiomas: morais, éticos, científicos; são o câncer dos 90%, e o ceticismo hiperbólico é o seu clássico, porém desprestigiado, inimigo/antagonista.
Na verdade, em termos de Mundo, digo, de tudo mesmo, estes 10% são algo irrelevante, eles só existem em nossas cabeças falsificadas/adestradas pela linguagem.
Sim, tudo o que digo se resume em algo totalmente evidente: o signo, a idéia ou o conceito representam algo que não eles mesmos e, portanto, remetem sempre a uma ausência; essa ausência, que é a ausência do objeto em si, é a condição mesma de seu estabelecimento. Assim, o signo, idéia ou conceito rivalizam com as coisas as quais pretendem representar... Nomear uma coisa é, de certo modo, matá-la. É necessária a ausência do significante para que se possa conceber o significado: aquilo que se faz presente fala por si mesmo, não carece de representação simbólica. E isto é um fato que muitos lingüistas e pensadores já haviam se dado conta e que, entretanto, não levaram suficientemente em consideração; pois se o tivessem feito provavelmente reivindicariam a queima das bibliotecas e a destruição das escolas...
Tudo na civilização é uma negação/falsificação/artificialização da existência e muitos dos conceitos que garantem o seu funcionamento são signos sem significado, ou seja, não encontram objeto físico ou fundamento sensível sendo, tão-somente, representações vazias. Até mesmo “árvore”, enquanto palavra, é uma falsificação de árvore enquanto entidade física; pois, enquanto nos remete virtualmente a ela, dela nos divorcia fisicamente. Dizem-nos “pense numa árvore” e o divórcio está consumado: não existe “árvore”, mas sim milhões de viventes do reino vegetal que desconhecemos tanto quanto a nós mesmos e que encerramos sob a pretensão estúpida de um substantivo trivializador.
Representantes de todas as coisas fazemos de todas elas, por meio de nossa linguagem falsificadora, caricaturas grotescas que denominamos signos/idéias/conceitos e vivemos sob o reinado despótico destas caricaturas, acreditando que elas constituem a realidade quando não passam de uma anomalia sublimada por nossa ambição à metafísica. Dar nomes às coisas não é meramente falsificá-las, é também um sintoma megalomaníaco. É uma atividade que requer uma ambição de subjugação das coisas a nossas expectativas tirânicas. A Gramática é uma herança da Metafísica; é, ainda e, sobretudo, Metafísica: apesar de termos assassinado Deus no plano especulativo, estaremos presos na transcendência enquanto insistirmos em utilizar a linguagem... O afásico é o maior de todos os revolucionários; e apenas uma afasia generalizada protagonizaria a verdadeira revolução copernicana no campo filosófico.
Traidor da espécie humana, desmistificador de um antropocentrismo ingênuo, falso profeta de um mundo possível, porém improvável, resta-me sonhar com um dia real e orgânico, longe de constar no calendário, pois divorciado do Tempo, em que o homem, livre do peso de sua milenar ambição megalomaníaca/legisladora/classificatória, fundir-se-á com o Mundo superando, assim, à falaciosa relação sujeito & objeto.
A Verdade, que a Filosofia sempre buscou, é conhecida pelos símios!

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