Olhando um cavalo, mero objeto e simples representação sensível, o transcendo: julgo alcançar-lhe a essência - axioma elementar à constituição da ciência - e afirmo: “é um animal”. Posteriormente, de maneira muito convencional, classifico-o como mamífero, eqüino, etc; da mesma forma, ao ver meu vizinho, João, digo: “João é um ser humano”. De forma análoga, ao ver uma mesa digo: “isto é uma mesa”.
Enquanto concebemos o axioma da essência as coisas estão a salvo... mas, longe da transcendência e do mundo ideal, sofremos as vertigens da realidade imediata e sensível. O vir a ser; o ser não-sendo; o ser em potencial e o não-ser em potencial. Eis, diante de nossos olhos, as coisas sendo e não-sendo, o devir mesmo: mesa virando fogueira, cavalo virando mortadela, João virando adubo...
Neste momento entram em cena os partidários dos quatro elementos, da mônada e demais frivolidades. Eles nos dizem, em seus mil discursos forjados de rigor e eloqüência, que as coisas são eternas e que são regidas por leis universais e, enquanto existentes na estrutura de um cosmos arimetizável, podemos sobre elas construir conhecimento - mera catalogação de seus movimentos aparentes! Assim, jogando uma pedra para cima afirmamos com a máxima segurança newtoniana que ela cairá no chão. Orgulhosos de nossa capacidade racional, transcendemos a pedra ao universal e projetamos a lei de causa e efeito até o infinito.
(Cansado deste carnaval irrisório sonho com o dia em que esta maldita pedra não caia mais...
Para meu deleite pessoal, inventei uma espécie de genealogia cômica do logos: imagino, numa época distante, um homem obsoleto, sisudo e desengonçado, vibrando em meio às quatro estações com uma ampulheta em punhos e fazendo discursos honoráveis sobre as absurdas constituições da Criação. Seria este o primeiro filósofo?)
O homem - baliza caótica de todas as coisas -, em seus suspiros aveludados, idealizou a Igualdade, a Grandeza, a Beleza, a Unidade e suas posteriores máscaras: o quilo, o metro, o grau, o jaule, o watt, a identidade... E nesse surto organizatório o homem se divorciou da zoologia, proclamou o artificial e mecanizou o espírito.
Aquele que concebe o ideal como sendo o real está, em si mesmo, exilado de si mesmo. Tal homem proclama num monólogo inconsciente: “sou um mero objeto de uma substância estranha que, apartada fisiologicamente de mim, me sustenta e diminui, me oprime e eterniza: a Idéia”. Medíocre, acredita ter saído da caverna quando na verdade contenta-se com sua condição de mera representação de si mesmo; sendo, portanto, um transeunte da mentira: uma vez que, para ele, a verdade não se encontra neste mundo. Mas é feliz e acredita na estabilidade das coisas. Partidário do especismo, sua arrogância faz com que ele se sinta o mais importante dos seres: pensa que o mundo gira em torno dele.
Já aquele que possui antenas sobressalentes é cético e capta a nulidade edulcorada dos conceitos. Sua insubordinação metafísica faz com que ele caminhe trôpego sobre a Matéria; indiferente em meio à feira dos tempos, ao desfile fúnebre da História e aos saltimbancos contemporâneos, despreza tudo secretamente. Vítima de sua própria coerência, inflado de oxigênio e náuseas, tem na dissimulação a única possibilidade de interação social com os seus “semelhantes”. Esboço fenomênico de um Vazio sem nome está divorciado de Deus e seus fantoches: as letras de seu nome acarretam a nulidade enfadonha do Saara; a secura de seus olhos resplandece o estado petrificado de sua alma.
Devido aos seus delírios de eutanásia e ao peso de seus crimes não praticados, ele é o ser com mais alto potencial de não-ser. Assim como o planeta ele pode ser lançado ao infinito abismo do vazio: um pela forca e o outro pela bomba atômica, ambos exibem o não-ser em potencial...
(Para ele as pedras já não caem!)
sábado, 1 de maio de 2010
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