sábado, 1 de maio de 2010

O ser humano no Mundo

É o seguinte: senti-me, pela enésima vez, uma ilha anônima e, acreditem, eu ainda não havia lido Heidegger. Acontece que essa ilha, digo, eu, não era habitada(o) por ninguém. Era uma ilha/coisa inútil; absurda. O mundo, real e/ou falso, acontecia às margens de minha existência que, aparentemente, não tinha nenhum propósito possível. Eu, com efeito, o via.
Encontrava-me, entretanto, a pouquíssimos, irrelevantes quase, metros da vida/margem. Isso de tal forma que, embora cônscio da curteza da distância, sentia-me, sobretudo, exilado. O meu horizonte racional, hospício e solidão, era o que mais dolorosamente saltava-me aos olhos: ele se me impunha como meta e refúgio do Ser. Meu ópio, absoluto, era um futuro nulo e indolor. O momento presente... sentia-o um câncer; e o futuro... uma cura, improvável e desbotada.
Bebia, praticamente, todos os dias; os anti-depressivos faziam-me um certo bem, relativo e quase confortador.
Após algum tempo compreendi o motivo de meu involuntário exílio espiritual: é que eu era demasiadamente apegado à reflexão... até perceber, entre horrorizado e extasiado, que uma espécie de vácuo indefinido, talvez conseqüência do uso indiscriminado de toda sorte de axiomas (essas pirotecnias conceituais que mascaram o vazio ontológico), rege, soberanamente, todos os empreendimentos teóricos. Saquei, epileticamente e com efeito, que a ironia vence e ridiculariza a dialética. O conceito de logos era agora, para mim, esse: megalomania compulsiva; dificuldade sistemática de ereção efetiva; ferramenta utilizada para refugiar-se da existência atual – a única que existe! A abstração intelectual, enquanto projeção pós-momento, tornara-se cancerígena... Era o começo de um contínuo, sistemático, grandioso delírio; o qual evidenciar-lhes-ei...
Percebi que o inferno era a ausência de libido, de ânimo, de respiração consistente, de calor e, pontualmente, de vida real. Pelo termo “vida real”, que acabo de criar, quero dizer: estágio orgânica e biologicamente natural, anterior ao advento da linguagem, em que o ser humano se encontra com o(s) sentido(s) da, e com a, existência.
Vi que a razão se trai, se perde nos labirintos da especulação, e quando atinge seu ápice é somente para beijar o Nada e abraçar o Vazio.
Puramente matéria e momento, pensava, o homem real encontrar-se-ia num estágio meta-ideal: toda racionalidade, ética e “progresso” fornecidos indelevelmente por seus ancestrais/antecessores ser-lhe-iam um degrau/fardo que foi deixado para trás.
Animal agora sadio, o homem real teria o direito, talvez mesmo a obrigação, de masturbar-se em público; e, numa gozada transcendente, afirmar-se, trágico, a si mesmo.
(A maior, a mais prejudicial falácia que a Filosofia criou, em suas ficções dinâmicas, é a que diz que a razão deve legislar a paixão, que o apetite deve ser subjugado pelo intelecto...)
Iena da Ilha do Dr. Moreau, vi, em meu delírio libertário, que a única Metafísica possível encontra-se em nosso ventre: é a estomacal!

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